sábado, 12 de dezembro de 2009

A campainha. O relógio de parede acima da porta acusava a pontualidade de quem estava por trás. Girei a maçaneta e ele estava prestes a tocar a campainha mais uma vez, impaciente. Sorriso forçado e centímetros de distância deram lugar a lábios colados, linguas lascivas se enroscando como se enroscaram os dedos nos fios de cabelos e posteriormente os dois pares pernas nuas sobre a cama.
Invadiam-lhe com dor quente e costumeira. Por instinsto fechou os olhos. Ato qual o transpunha pra um mundo que não sabia dizer se de lembranças ou desejos. Ou os dois.
O ritmo era compatível. Ouviu-se um nome de nenhum dos presente ali e quem sem importa? Os gemidos, os grunhidos e tudo aquilo que preenchia o cômodo com claustrofobia de segundos, essa tal falta de ar que a gente sente nessa tal situação.
Abriu os olhos e cvoltou ao mundo concreto, ao corpo já vestido em pé ao lado da cama.
- Fica com o troco.
Bate a porta, a mesma porta. Uma hora exata, o mesmo relógio, a mesma pontualidade. Outro nome e o mesmo cigarro brincando nos lábios, a fumaça apagando da boca o outro gosto. O gosto de outro.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Voltei para o prédio antes do previsto. Não me agradava a idéia de deixá-lo sozinho por muito tempo. Forcei a maçaneta e abri a porta, na parede paralela havia uma grande janela na qual ele se encontrava de pernas para fora do apartamento.
Do ângulo em que eu estava podia ver as costas de sua camisa vermelha de flanela, seus cabelos na altura dos ombros, levemente emaranhados e sujos. Dei dois passos hesitantes, receoso de que qualquer movimento meu o fizesse se deixar cair. Meus olhos corriam de um lado para outro do cômodo esperando encontrar uma razão para a peculiaridade da cena.
-O que você está fazendo?
Recebi silêncio em resposta, o que só fazia recrudescer a angústia; músculos petrificados me mantinham na mesma posição. Virou-se lentamente, pôs as pernas para dentro do cômodo a sacudir, para frente, para trás e para frente de novo, semelhante a uma criança entediada. Recostou a cabeça em um dos lados da janela e sorriu pra mim. Parecia limpo; parte de seu rosto oculta pela luz forte do sol, o que intensificava o azul de seus olhos. Rumei para perto da janela, ainda com um quê de receio.
- Você não me respondeu.
- ‘Tava só sentindo o vento no rosto. – fez uma pausa melancólica e voltou a olhar a rua- vendo o céu, o sol, a cidade. Quando eu ‘to sozinho costumo fazer isso. Tenho essa janela como o topo do mundo. Me sinto acima de tudo que é ruim.

Desceu da janela, e então foi meu momento de contemplação . Debrucei-me sobre o peitoril e fiquei a olhar para fora. O crepúsculo emprestava um alaranjado que dourava as nuvens fofas no horizonte. Alguns telhados coloridos entre o vasto concreto. Fileiras de carros luziam formando um grande cordão de ouro pela estrada. Seus braços circundaram minha cintura, apoiou o queixo no meu ombro.
- Eu sei o que você pensou quando entrou aqui. - acariciei suas mãos cruzadas na altura do meu abdômen - Tira isso da cabeça. Eu nunca vou te deixar.

De fato, ali era o topo do mundo.

domingo, 19 de julho de 2009

Acho que nunca li algo que me é tão eu:


"Eu queria ir pra um lugar onde eu tivesse uma sensaçãozinha, ilusória que fosse, de que tinha alguém prestando atenção em mim. Achei que era aqui. É? Não sei.Me enfiei em casa e não sai. Um desgosto. Leio o tempo todo. Sento no jardim. Ouço música. Tento escrever, mas não sei se quero ou se preciso, e não consigo. Umas carências. (...) Mas tomo copos de leite, durmo bastante, e repito sempre que, seja o que for, vou sair desta pelo menos mais sadiozinho. Deve ser algum processo em andamento dentro de mim, querendo explodir de alguma forma. Ou esse desgosto é já um jeito de ser? Se for assim, não quero acostumar."

Caio Fernando de Abreu

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Tem me doído escrever. Já não tenho a intimidade de antes com as palavras que outrora escorriam dos dedos para as teclas. Cada texto tem sido impecavelmente bem escrito, bem estruturado. Sólido. Concreto demais. Prolixidade claustrofóbica.
Tenho fumaça de cigarro e anseio vapor de chá. Descrição em pormenores, mas preciso só das entrelinhas. Tenho também uma lista infinita de alusões, metáforas e comprações que poria aqui só pra dizer o quanto preciso de exclamações e só tenho o ponto final.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

"Eu não tenho mais esperança." Percebem o quão falso isso soa? É indubitavelmente impossível perder a esperança. A razão pra tal errônea afirmação se deve ao seguinte fato: a Esperança se mostra um tanto quanto vulnerável e enquanto perdurar, a Alegria e a Decepção travarão constantes batalhas a fim de conquistar o posto de conseqüência.

Enquanto a Alegria ganha a função de assessora da Esperança, a Decepção leva a justa fama de má companhia. Graças à dada vulnerabilidade de nossa amiga cor-de-folha, esta é fortemente influenciada por aquela cuja a principal característica é ser desagradável, porém os murmúrios que se alastram julgando a Decepção como assassina da Esperança não são verdadeiros.

Talvez eu esteja sendo prepotente ao me julgar capaz de desmascarar o milenar "A esperança é a última que morre", mas creio piamente na imortalidade da Esperança. Ao passo que a tal não morre, acompanha da Decepção, cria uma aliança nomeada Ilusão, a qual a Razão inutilmente luta para destruir, e por fim, quando tropeço numa lápide que creio ser da Esperança e me aproximo para ler os dizeres e deparo com o meu nome, ironicamente cercado de verde.